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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Percentagens

A percentagem é um termo muito usual, nomeadamente quando as notícias nos informam do estado da nação relativamente às suas contas. As primeiras chuvas de Outono também nos encharcam com percentagens quando se começa a discutir o orçamento de estado. Tudo se resume a percentagens sem que saibamos ao certo o que elas representam. Não nos ofende que o orçamento contemple mais 1% com as despesas dos festejos do ano anterior, sabendo que a inflação até é superior. Talvez fiquemos mais perplexos quando damos conta do valor em absoluto. Só assim nos inteiramos do possível exagero nos gastos do ano anterior. O que parecia ser aceitável, poderá agora ser visto como um agravamento daquilo que já era um desacerto.

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A percentagem é um valor relativo porque depende de outro com que opera. No entanto, a informação que as agências noticiosas dão, são basicamente estes valores relativos, onde as pessoas acabam por não dar grande importância, porque se por um lado não é possível atribuir significado ao número, por outro lado, o conceito de percentagem ainda não é suficiente para lhe dar a devida importância.

É por isso que a literacia matemática é determinante na vida social. Por vezes, interrogo-me sobre a possibilidade de haver concordância entre duas entidades quando os números que se discutem são, com toda a evidência, desvantajosos para uma das partes. Talvez porque os números sejam relativos, não tendo o mesmo significado para ambas as partes.

Recordo que há muito pouco tempo os portugueses não deram grande importância ao facto de passarem a pagar 6% de IVA em vez de 5%. De facto, o que foi anunciado é que se tratava de um aumento de 1% - coisa irrelevante.

Trabalhemos com números pequenos para que também não se perca o seu sentido e vamos interpretar este aumento de 1%. Imaginando que o estado arrecadava 500€ em IVA sobre os produtos transaccionados àquela taxa, com a nova taxa passa a apurar 600€. Neste caso, deixou de ganhar 500€ para ganhar 600€, ou seja, um aumento de 100€. Aumentar 100 em 500 é o mesmo que aumentar 20 por cada 100, isto é, houve um aumento de 20%. Mas afinal, a notícia do aumento tinha sido apenas de 1%. A forma como a notícia é dada, todos a aceitam de ânimo leve: é um pequeno esforço que o consumidor passa a fazer. Afinal, é apenas mais 1%. Do outro lado, todos contentes, conseguiram aumentar a sua receita em 20% com apenas um esforço de 1% por parte dos contribuintes - malabarismos numéricos.

Pelo que vi há dias na televisão pública, precisamente no dia 15 de Outubro, no Telejornal da RTP, verifico que a mesma estratégia volta à carga, só que desta vez trata-se de uma carga dupla, ou seja, dois truques num só. Não sei se trata de uma encomenda previamente ensaiada, ou se a falta de incompetência matemática da jornalista que informa o que se vai passar com o novo aumento do IVA foi o critério para que fosse ela fazer a seguinte explicação:

Segundo a jornalista, no que diz respeito aos produtos taxados a 13% “…é fácil! É só somar 10% e fica tudo à taxa máxima”. A simulação para ser mais esclarecedora recorreu ao que acontece também com os produtos agora taxados a 6%. Neste caso foi mesmo necessário a calculadora, o valor de uma coca-cola e um pudim é de 1,75€, “ se lhe dermos mais 17%, a partir de Janeiro custam dois e cinco”. Embora não tenha sido visível o modo como o cálculo foi operado na calculadora, eu deduzo que possa ter sido: 1,75€ x 1,17 = 2,0475€, arredondado à centésima do euro corresponde ao valor anunciado: 2,05€. Bom, mas se assim é, e se todos seguirem aquele exemplo, não é só o IVA que é agravado, o preço do produto também aumenta.

Será que é assim que os nossos governantes também fazem as contas? Talvez seja uma justificação para a vulgarização das derrapagens nas contas públicas.

Analisando este caso e partindo do pressuposto que estes dois produtos passarão a custar 2,05€, o estado arrecada aproximadamente 0,38€ o que equivale a dizer que o valor dos produtos, sem IVA, são aprox. 1,67€ (1,67€ x 1,23 ≈ 2,05€). Hoje, nos mesmos produtos, o estado arrecada aprox. 0,10€, dado que os mesmo produtos, sem IVA, têm o valor de 1,65€ (1,65€ x 1,06 = 1,75€).

Assim, podemos concluir que o produto deixou de custar 1,65€ para passar a ter um valor de 1,67€, o que representa em termos percentuais um aumento de 0,02€ em 1,65€, ou seja, aproximadamente 1,2%.

Se todos os comerciantes aprenderam a lição da sra jornalista, o consumidor para além de um agravamento do IVA na ordem dos 283%, ainda fica sujeito a um aumento do produto em 1,2%. É verdade! O aumento do IVA neste caso é de aproximadamente de 283% e não de 17% como a notícia dada no telejornal nos quer “vender”. O aumento é de 17 em 6 o que representa aquela elevada percentagem, e faz com que o estado passe a arrecadar aproximadamente 38 cêntimos naqueles dois produtos em vez dos 10 cêntimos que cobrava anteriormente.

Fica assim o alerta para haver mais cuidado com as contas, principalmente quando as fazem por nós. Estando mais confiante nas contas feitas pelo leitor, lanço o repto para que determine, ao certo, o novo valor da coca-cola e do pudim quando sujeitos à nova taxa de IVA de 23%.